Por Arlete Salvador
Há sempre alguém sentado sozinho numa mesa para quatro pessoas na praça de alimentação lotada. Os outros clientes, com a bandeja de comida na mão, rodopiam pelos corredores como Charles Chaplin em cena do filme Tempos Modernos. Eu me espanto com essa cena no Brasil. Fora daqui, não haveria constrangimento em dividir a mesa com desconhecidos. Aqui vale a cultura da individualidade. Cada um na sua.A história se repete quando se trata de livros. Preferimos guardá-los em casa e expô-los nas estantes como troféus de erudição em vez de dividí-los. É comum ouvir gente dizendo que não gosta de emprestar livros para quem não os devolve. E para quê devolver? Não seria melhor passá-los adiante, fazê-los circular, deixá-los encantar outras pessoas? Considero a doação de livros um dos gestos mais generosos de quem quer contribuir para o desenvolvimento do país e da Educação.Em boa parte das bibliotecas das escolas, quando há bibliotecas e livros, a lista de itens inúteis costuma ser longa, todos doados por alguma alma “bondosa”. Encare a verdade. O que doamos? Livros antigos e desatualizados. Livros desinteressantes, principalmente os que recebemos de brinde no final do ano. São aqueles impressos com dinheiro da Lei Rouanet cujo conteúdo só interessa a quem captou o dinheiro e seus financiadores. Na primeira oportunidade, passamos para os mais pobres. Além de egoístas, somos hipócritas. Se não os lemos, por que os meninos os leriam? Tratamos as doações como uma forma de nos livrarmos sem culpa do lixo da biblioteca de casa.Muitos governos também preferem dar livros para cada um dos estudantes em vez de investir na biblioteca. Assim, não há dinheiro que chegue. É puro marketing político. O governante garante votos nas próximas eleições e os meninos guardam seus presentes em casa. Num país onde o livro é caro e há milhares de estudantes carentes, é preciso investir em soluções coletivas. Em bibliotecas públicas. Com políticas de valorização do uso coletivo de livros e com doações privadas - daquelas verdadeiras, de livros de qualidade - dá para acreditar em mudar o futuro dos estudantes brasileiros.
Arlete Salvador é jornalista e autora dos livros A Arte de Escrever Bem e Escrever Melhor, ambos publicados pela Editora Contexto.
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