quarta-feira, 8 de julho de 2009

Maitê Proença comenta polêmica com sua peça 'As meninas' e livro de Lyga Fagundes Telles

RIO - A polêmica em torno da estreia de "As meninas", peça de Maitê Proença e Luiz Carlos Góes, ameaçou empanar a alegria que é pôr de pé um espetáculo de teatro. Isso porque outras "Meninas", essas as do memorável romance de Lyga Fagundes Telles, também ganharão o palco este ano, numa adaptação de Maria Adelaide Amaral, e Lygia não gostou da coincidência. "As meninas" de Maitê, portanto, são as primeiras a vir a público - e vieram com tudo, segundo Barbara Heliodora. Também nesta página, Maitê explica que tentou mudar o nome da peça, por deferência à grande escritora, mas que a burocracia a impediu. O que dizer? Quanto mais meninas, melhor.
'Fica brava, não, Lygia', por Maitê Proença
Lygia Fagundes Telles ficou muito brava comigo. Brava ao ponto de me chamar de ladra e afirmar que gostaria de subir ao palco de minha estreia teatral esta semana para fazer a acusação. Parece que desistiu, a noite correu suave, pungente, magnífica! Sobressaltos, só os incontáveis que emanavam do palco para o deleite da plateia.
Há cinco anos escrevi, junto com meu parceiro Luiz Carlos Góes, um esquete para uma primeira peça de minha autoria, a que demos o nome de "As meninas". A peça correu o Brasil, a Alemanha, Portugal. Foi um sucesso cujo ápice era a história de duas meninas falando sobre assuntos adultos no velório da mãe de uma delas. Crianças falam o que deve ser calado, e num contexto solene de tristeza, os diálogos resultavam cômicos:
- Queria que minha mãe morresse só um pouquinho pra eu ficar estranha assim como você.
- Posso dizer uma coisa, tia Consuelo? Eu pensei que morto ficasse abatido, mas você está quase bonita.
- Nós nascemos das barrigas de nossas mães, mas nossos irmãos vieram trazidos pela cegonha. Umas cegonhas pretas.
- Mamãe está tão séria!
- Também rir do quê? Ela está morta, Rubi. Morto não ri, fica assim, sonhando...

Resolvi então escrever uma peça inteira com um velório como os que vejo por aí, com os parentes pranteando o morto, e os amigos rindo pelos cantos, lembrando tudo que não deveriam, relaxando escondido para conseguirem, depois, voltar a sofrer.
Quis um velório em festa, e colocamos quatro gerações de mulheres, inclusive as mortas, todas se utilizando do mesmo caixão para voltar a viver um pouco. Ali não há limites entre a vida e a morte, quem deveria calar fala, e fala muito de tudo o que não poderia ser dito. As belas se autoelogiam sem modéstia, e as outras todas também, sem pudor. Não há pudores nesse velório. A história é triste mas é para rir. E, sim, há um homem em cena, que não se vê, mas que está mais presente do que todos os personagens.
Nada a ter, portanto, com o romance de Lygia Fagundes Telles chamado "As meninas". E tampouco com um romance anterior ao dela, o de Louise May Alcott, também denominado "As meninas" ("Little women"), ou com o célebre "As meninas" de Velázquez, ou, ainda, com os 67 desdobramentos cubistas elaborados por Pablo Picasso, lindamente expostos no Museu Picasso de Barcelona.
Será que Alcott, Velázquez e Picasso estão muito bravos com Lygia por lhes ter surrupiado o nome e usado em seu romance? Ou será que compreendem que este é de domínio público como seriam "O coqueiro", "A casa", "As crianças", lindos títulos para quem quiser usar?
Contra minha vontade, mas por não querer aborrecer Lygia, pelo respeito e amor que tenho por ela, tentei alterar o nome de minha peça. Enviei-lhe, por intermédio de nossa agente literária comum, os e-mails trocados para essa finalidade, com o MinC e com a empresa estatal que financia minhas "Meninas". Por ali ela pode constatar que tentei a alteração de todas as formas, e exaustivamente, só para lhe agradar. Não foi possível. No Brasil, o que parece simples pode ser muito complicado, e será, sempre que houver burocracia envolvida.
O que deveria ser bem mais simples é o entendimento entre pessoas de boa vontade que só desejam seguir com sua arte e oferecê-la ao público, este que está aí para acolher a todos os talentos.
Fica brava, não, Lygia. Te adoro!

2 comentários:

Bibi disse...

Wow, a Maitê arrasa na escrita! Leve, divertida, mas cortante! Amei

Denise Portes disse...

Ela é inteligente a danada.
Bjs
Denise