domingo, 21 de junho de 2009


O Roteirista, peça na engrenagem do cinema, se julga amordaçado, preterido, traído muitas vezes. Constantemente, irritantemente lhe perguntam: "Por que você escreve algo pessoal?"
Como se as palavras algo pessoal possuíssem uma virtude superior, habitassem níveis mais elevados da existência, como se fosse mais importante ser pessoal do que útil, como se, por uma estranha deformação, apenas o autor contasse, e não a sua obra.
No entanto, o roteirista é o primeiro a achar (e em certos dias) que a noção de obra pessoal-a-todo-custo decaiu há muito tempo, que nenhum livro ou filme existe a não ser que fale aos outros, que um autor devotado exclusivamente a dourar sua imagem ou a engordar sua conta bancária rapidamente se exaure e desaparece.
O roteirista existe apenas para transmitir certas emoções de uma pessoa para outra. Ele é o contador de histórias de hoje, seguindo uma antiga tradição com instrumentos modernos. O berbere que fala e canta em praça pública em Marrakesh exerce o mesmo ofício que eu. Para quem o escuta, as histórias que ele desfia são necessárias. "Devemos ouvir histórias", alguém diz no Mahabharata. "É agradável e nos deixa melhores".
Como minhocas buscando refúgio no solo do jardim, para fertilizá-lo, as histórias passam de uma pessoa para outra e às vezes de um povo para outro. Essas histórias seguem um caminho imprevisível, mas carregam uma carga preciosa. O que dizem é contado apenas por elas.
Uma velha alegoria árabe retrata o contador de histórias como um homem, de pé numa pedra, falando para o oceano. Ele mal tem tempo de tomar um copo d´água entre as histórias. O mar escuta, enfeitiçado. Uma história atrás da outra.
E a alegoria acrescenta: "Se um dia o contador de histórias se calar, ou for calado por alguém, ninguém pode dizer o que fará o oceano."
Jean-Claude Carrière
(“A Linguagem Secreta do Cinema”, pág. 180)

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