
"A peça é uma tragicomédia em
que a atriz/personagem convida o público a acompanhar de perto a trajetória de
uma moça que chega ao local de seu casamento vestida de noiva pra dizer aos
convidados que não vai mais se casar. Só que os convidados não estão lá, então,
ela resolve explicar sua situação para os desconhecidos que ali se encontram. A
gente vai percebendo que o problema não é só o noivo, há um pai também..."
Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o
contexto em que se dá "É sobre você também", de autoria de Julia
Portes, que também interpreta a personagem. Fernanda Alice assina a direção do
espetáculo, que conta com supervisão de direção de Maitê Proença. Após estar em
cartaz por três meses na Casa do Rio, a montagem será apresentada pela última
vez - ao menos nesse espaço - na próxima sexta-feira, às 21h.
Em função do explicitado no parágrafo inicial, a noiva em questão decide
não mais se casar e mesmo estando diante de desconhecidos, resolve contar um
pouco de sua história. No entanto, praticamente desde o começo da peça, tive a
sensação de que estava diante de uma jovem que já morrera - bem mais adiante, é
narrada uma passagem em que a protagonista pergunta à plateia o que ela faria
em seus dois últimos minutos de vida, caso estivesse sob as rodas de um ônibus.
Em meu entendimento, a jovem cometeu suicídio. E se isso de fato ocorreu, tudo
que nos é narrado e vivido ganha uma outra dimensão, que tentarei esclarecer em
seguida.
Se tudo acontecesse apenas em função de um, digamos, golpe teatral
- a substituição dos convidados pelos espectadores -, tenho a impressão de
que a atriz/personagem não contaria o que nos conta da forma como o faz,
alternando a mais absoluta coloquialidade com tonalidades vocais impregnadas de
estranhamento. E também não agiria impondo ao seu corpo alternâncias
semelhantes - em muitos momentos, a serenidade física é substituída por
imprevistas danças, movimentos espasmódicos e também por um gestual lento e
preciso, que materializa no espaço ideias que talvez não fossem tão contundentes
se expressas através de palavras.
Continuando na mesma linha de tentar entender o que não é explicitado, há
uma passagem a princípio obscura, mas que para mim foi claríssima. A personagem
nos conta que, em certa ocasião, dormia no quarto dos pais, ao lado da cama
deles. De repente, a mãe salta da cama e se tranca num quarto adjacente. A
menina, antes de correr atrás dela, sente cair sobre si uma espécie de cuspe.
Mas teria sido realmente uma espécie de cuspe? Entendi essa
passagem como se a mãe tivesse assassinado o marido, e o que a menina sentiu
cair sobre si foi o sangue do pai.
Isto posto, e mesmo que tenha me enganado completamente tanto no que diz
respeito ao fato de a jovem estar morta, quanto ao assassinato do pai - e se
enganos cometi, por eles me desculpo - o que importa ressaltar é que o texto
contém pertinentes reflexões sobre o amor, o machismo, a vida e as escolhas que
fazemos, cabendo também ressaltar que eventuais momentos de solidão não
constituem necessariamente nenhuma tragédia.
Quanto à montagem, Fernanda Alice impõe à cena uma dinâmica em total
sintonia com o material dramatúrgico - marcações criativas, imprevistas, não
raro possuidoras de grande expressividade e sempre investindo em uma proposta
rítmica que gera no espectador um estado de permanente suspensão.
Quanto a Julia Portes, a jovem atriz foi para mim uma gratíssima
revelação. Possuidora de ótima voz, excelente preparo corporal, grande carisma
e inegável inteligência cênica, a atriz reúne todas as condições para construir
uma belíssima trajetória profissional, e neste sentido solicito que os sempre
caprichosos Deuses do Teatro a abençoem.
Na equipe técnica, parabenizo com o mesmo entusiasmo as preciosas
colaborações de Maitê Proença, Patrick Sampaio (provocador convidado), Ty
Prieto (artes visuais) e Katerina Amsler (adereços cênicos).
É SOBRE VOCÊ TAMBÉM - Texto e atuação de Julia Portes. Direção de Fernanda
Alice. Supervisão de direção de Maitê Proença. Casa do Rio - Sexta-feira,
21h.
Lionel
Fischer