quarta-feira, 19 de agosto de 2015

...e assim se passaram dez anos ou você nunca caminhará sozinho.


Esta peça foi escrita há dez anos, no porão de uma casa enorme, em Londres,  durante o inverno, à mão, a luz de longas velas de cera roubadas da igreja mais próxima. Isso porque morávamos clandestinamente em squatter-houses – casas em vias de serem demolidas, ocupadas por estrangeiros e freaks que não podiam ou não queriam pagar aluguel. A loucura solta em volta precisou ser posta no papel, transformada, recriada, exorcizada, para não pirar de vez minha cabeça. Éramos auto-exilados alguns, outros exilados mesmo, expulsos, tempos de Médici, perseguições, torturas.  Não tínhamos mais país, nem pais, nem dinheiro, nem destino. Ideologia, só a da  loucura. Uma certeza messiânica de que mudaríamos o mundo: éramos os escolhidos, os iluminados nascidos durante  o trânsito de Netuno pela constelação de Libra. Nos chamavam de hippies, mas os hippies já não existiam. Os muros brancos de London,London estavam pichados com  grafites do tipo  “Flower Power is Dead”. O caos econômico começava a corroer definitivamente a Inglaterra, o Ocidente e toda a sociedade capitalista. Joplin e Hendrix já tinham morrido. Os punks começavam a emergir dos subúrbios, sadomasoquistas e speedfreaks circulavam pela noite com suas roupas de couro negro, suas correntes.  Estávamos perdidos: na casa dos 20, uma lasquinha de ácido todo dia, não sabíamos se chegaríamos aos 30 anos. Nem fazíamos muita questão, queríamos morrer antes. De susto, de bala ou vício. Antes que o Apocalipse de São João invadisse as ruas.

Chegamos lá. Ou aqui.  Ah, então era isso, essa coisa, o fu-tu-ro?

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