sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

O velho professor - Lembranças de Célia Pereira

O VELHO PROFESSOR

 

Andava muito doente o velho professor... 

Por isso, ele não tinha agora o mesmo ardor, 

que outrora o possuía e que o animava dantes.

Às vezes, quando em aula, havia mesmos instantes

em que inclinava a fronte (aquela fronte austera

onde já desbotara a flor da primavera)

e cochilava um pouco, involuntariamente.

O velho professor andava muito doente.

 

Era, porém, tamanho o bem que nos queria

que jamais quis pedir aposentadoria

e manter-se do Estado, à custa dessa esmola.

Era sempre o primeiro a aparecer, na escola,

com joviais maneiras, tão simpáticas,

não obstante sentir umas dores reumáticas

que o faziam sofrer muito, ultimamente.

O velho professor andava muito doente... 

 

Um dia ele chegou mais tarde, alguns momentos.

Trazia nas feições sinais de sofrimentos... 

A palidez do rosto, os olhos encovados

denunciavam seus pesares ignorados.

E, como para tornar a dor mais manifesta,

cravara-se-lhe fundo uma ruga na testa.

Franzia-lhe o rosto uma expressão de dor,

Andava muito doente o velho professor.

 

 A aula começou... mas, pouco depois das onze,

 o velho mestre, o bom trabalhador de bronze,

 (que já perto de trinta anos ou mais, havia

 que - gigantesco herói - lutava dia a dia,

para a glória da pátria e para o bem da infância,

dando batalha ao vício e combate a ignorância)

sentindo de uma dor os agudos abrolhos,

curvou as nobres cãs, cerrou de leve os olhos.

 

Fora fulgia o sol. A manhã era calma.

Sorrindo, a natureza abria a sua alma

repleta de alegrias e cheia de esplendores.

Pela janela aberta, entrava o hálito das flores;

em toda a atmosfera azul, lavada e fina,

ressoava baixinho, assim como em surdina,

um canto celestial, harmonioso e suave,

anjos tocando, em harpa, alguma canção de ave.

 

Nisto ergueu-se um aluno, um pândego, um peralta

fabricou de um jornal um chapé de copa alta,

e bem devagarinho (oh! que idéia travessa)

chegou-se ao mestre... zás! enfiou-lhe na cabeça.

E rápido se foi de novo ao seu lugar.

O mestre nem abriu o sonolento olhar.

E aquele aspecto vil de truão de improviso,

rebentou pela aula estardalhante riso.

 

De súbito, surgiu o diretor, na aula... 

esmudou-se lhe o gesto, estremeceu a fala,

quando ele, transformando a sua mansidão de boi

em fúria de leão nos perguntou: "Quem foi?

Quem foi esse vilão que fez tal brejeirice,

sem respeito nenhum às cãs desta velhice?

Vamos lá! Sede leais, verdadeiros e francos,

dizei: quem ofendeu estes cabelos brancos?"

 

Mas ninguém denunciou da brincadeira o autor!

Como um clown dormia o velho professor!

O diretor, então, chegou-se junto à mesa...

Via-se-lhe no rosto, o incômodo, a surpresa,

de que o sono do mestre assim se prolongasse.

Curvou-se meigamente e levantou-lhe a face.

Mas recuou tremendo, aterrado, absorto,

aniquilado e mudo... O Mestre estava morto.


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