O
VELHO PROFESSOR
Andava muito doente
o velho professor...
Por isso, ele não
tinha agora o mesmo ardor,
que outrora o
possuía e que o animava dantes.
Às vezes, quando em
aula, havia mesmos instantes
em que inclinava a
fronte (aquela fronte austera
onde já desbotara a
flor da primavera)
e cochilava um
pouco, involuntariamente.
O velho professor
andava muito doente.
Era, porém, tamanho
o bem que nos queria
que jamais quis
pedir aposentadoria
e manter-se do
Estado, à custa dessa esmola.
Era sempre o
primeiro a aparecer, na escola,
com joviais
maneiras, tão simpáticas,
não obstante sentir
umas dores reumáticas
que o faziam sofrer
muito, ultimamente.
O velho professor
andava muito doente...
Um dia ele chegou
mais tarde, alguns momentos.
Trazia nas feições
sinais de sofrimentos...
A palidez do rosto,
os olhos encovados
denunciavam seus
pesares ignorados.
E, como para tornar
a dor mais manifesta,
cravara-se-lhe
fundo uma ruga na testa.
Franzia-lhe o rosto
uma expressão de dor,
Andava muito doente
o velho professor.
A aula
começou... mas, pouco depois das onze,
o velho
mestre, o bom trabalhador de bronze,
(que já perto
de trinta anos ou mais, havia
que -
gigantesco herói - lutava dia a dia,
para a glória da
pátria e para o bem da infância,
dando batalha ao
vício e combate a ignorância)
sentindo de uma dor
os agudos abrolhos,
curvou as nobres
cãs, cerrou de leve os olhos.
Fora fulgia o sol.
A manhã era calma.
Sorrindo, a
natureza abria a sua alma
repleta de alegrias
e cheia de esplendores.
Pela janela aberta,
entrava o hálito das flores;
em toda a atmosfera
azul, lavada e fina,
ressoava baixinho,
assim como em surdina,
um canto celestial,
harmonioso e suave,
anjos tocando, em
harpa, alguma canção de ave.
Nisto ergueu-se um
aluno, um pândego, um peralta
fabricou de um
jornal um chapé de copa alta,
e bem devagarinho
(oh! que idéia travessa)
chegou-se ao mestre...
zás! enfiou-lhe na cabeça.
E rápido se foi de
novo ao seu lugar.
O mestre nem abriu
o sonolento olhar.
E aquele aspecto
vil de truão de improviso,
rebentou pela aula
estardalhante riso.
De súbito, surgiu o
diretor, na aula...
esmudou-se lhe o gesto,
estremeceu a fala,
quando ele,
transformando a sua mansidão de boi
em fúria de leão
nos perguntou: "Quem foi?
Quem foi esse vilão
que fez tal brejeirice,
sem respeito nenhum
às cãs desta velhice?
Vamos lá! Sede
leais, verdadeiros e francos,
dizei: quem ofendeu
estes cabelos brancos?"
Mas ninguém
denunciou da brincadeira o autor!
Como um clown
dormia o velho professor!
O diretor, então,
chegou-se junto à mesa...
Via-se-lhe no
rosto, o incômodo, a surpresa,
de que o sono do
mestre assim se prolongasse.
Curvou-se
meigamente e levantou-lhe a face.
Mas recuou
tremendo, aterrado, absorto,
aniquilado e
mudo... O Mestre estava morto.